A importância do autoconhecimento para o desenvolvimento da liderança
“Liderar é orientar a criação de um mundo ao qual as pessoas queiram pertencer”.
“Se houver um cego guiando outro cego, chegarão a algum lugar?”.
A primeira citação, escrita por Robert Dilts, define a essência da liderança. Afinal, não é possível liderar sem que outros optem por viajar a mesma estrada que você. A liderança possui um paradoxo em seu âmago, não pode ser tomada diretamente, ela é um presente que só pode ser dado pelos outros.
A segunda citação, feita há mais de 2000 anos por Jesus Cristo, nos alerta para o fato de que é necessário conhecer, ou pelo menos ser capaz de enxergar, o caminho para o qual pretendemos dirigir outras pessoas.
E qual é o mundo ao qual as pessoas querem pertencer? Para onde as pessoas querem caminhar?
O ser humano quer caminhar na direção de um mundo no qual seus valores sejam mais satisfeitos.
Atualmente, na psicologia organizacional, um tema bastante conhecido trata das motivações extrínseca e intrínseca dos empregados de corporações.
A motivação extrínseca se dá devido a uma recompensa externa ao trabalho em si, seja ela dinheiro ou promoção. Essa motivação, apesar de fundamental, tem caráter temporário. Após algum tempo alcançado o patamar financeiro ou o cargo almejado, é necessário visualizar um novo aumento ou promoção a serem conquistados.
Já a motivação intrínseca tem um caráter um tanto quanto diferente. Nela, o próprio prazer da realização do trabalho impulsiona para uma nova realização. É quando o empregado está vivenciando seus valores dentro da função que desempenha e da corporação a que pertence.
E quais são os valores que impulsionam uma pessoa?
Os valores que impulsionam cada pessoa são diferentes. As motivações são várias: reconhecimento, satisfação pessoal, possibilidade de exercer sua criatividade, poder e, ainda, chance de realizar uma obra.
Reconhecimento, satisfação pessoal, criatividade, poder, realização, ensino, companheirismo, segurança, transformação, responsabilidade, alegria, são alguns dos valores que impulsionam diferentes pessoas a um objetivo.
Então, a resposta é fácil. Basta alinharmos nosso trabalho com nossos valores pessoais e estaremos constantemente motivados, não é?
Seria, se não houvesse um pequeno detalhe, além das questões práticas. Na maioria das vezes, não conhecemos verdadeiramente os nossos valores. Agimos buscando princípios que aprendemos que seriam os “mais corretos” a serem buscados. Valores que aprendemos com nossos pais ou com nossa sociedade que seriam os mais adequados a nossa vida. Valores de uma imagem que criamos, na esperança de que essa imagem seja a mais aceita e reconhecida pelo mundo externo.
Assim, como podemos liderar as pessoas na criação de um mundo ao qual elas queiram pertencer, se não enxergamos para onde queremos ir?
Isso não é possível para a verdadeira liderança. O verdadeiro líder deve, antes de tudo, saber para onde ele mesmo quer ir e, em seguida colocar-se, em marcha nesse caminho. E estando no seu verdadeiro caminho, será tão impulsionado por seus valores que será possível às pessoas a sua volta perceberem a sua satisfação, seu carisma natural, sua congruência entre discurso e prática, e decidirem que esse também é o mundo ao qual elas querem pertencer.
Não será preciso convencer ninguém a seguir esse líder. Trata-se de liderança natural, a liderança através do exemplo vivido pelo próprio líder.
Em corporações mais modernamente voltadas para o desenvolvimento do potencial humano, algumas ferramentas têm sido utilizadas para auxiliar seus colaboradores a identificarem seus verdadeiros valores. O processo de coaching, por exemplo, passa necessariamente por uma investigação dos verdadeiros valores pessoais do líder e da corporação.
Outra ferramenta, dentre várias, que pode ser utilizada nas corporações para identificação dos valores do líder é o Eneagrama. Por meio do processo de identificação com um dos nove tipos básicos de personalidades, é possibilitado ao líder o autoconhecimento de suas chamadas paixões, fixações e motivações internas.
O autoconhecimento permite ao indivíduo perceber que enxerga o mundo através de seus próprios pontos de vista, e que eles são somente seus e não verdades universais. Essa consciência torna possível a compreensão das diferenças entre as pessoas e a consequente diminuição do egocentrismo do líder, aumentando em muito a sua capacidade e do seu grupo de realizarem um verdadeiro trabalho em equipe.
Outro ponto importante é que, embora sejam muitas as ferramentas que podem ser usadas nesse processo de autoconhecimento dos líderes nas organizações, isso não pode ser feito sem um real comprometimento, tanto da organização quanto de suas pessoas.
Um processo como esse invariavelmente acarretará em mudanças profundas de paradigmas. Haverá a necessidade de realocação de funções, pessoas e estruturas de liderança. Poderá existir um grupo de líderes que se sinta profundamente insatisfeito pela consciência de que não está no lugar certo, trazendo a necessidade da organização de reagir rapidamente na sua realocação. E quando as possibilidades não permitirem, poderá haver demissões voluntárias.
Por outro lado, haverá um grupo de líderes consolidados e o consequente desenvolvimento de novos que terão a oportunidade de realizar um trabalho que esteja realmente condizente com seus valores, gerando em si mesmo e nas pessoas ao redor todos os tipos de motivação intrínseca e satisfação que isso pode trazer. Os benefícios em médio prazo serão enormes em uma relação de ganha-ganha entre a organização e suas pessoas.
Uma vez que a organização esteja comprometida com esse caminho, será também necessário que as pessoas façam o mesmo.
Elas também terão um árduo trabalho a realizar. Coragem, mente e coração abertos são necessários para enfrentar muitos desafios. A transformação pessoal só pode ser realizada com a permissão e o esforço da própria pessoa. O auxílio exterior é necessário, porém o próprio “eu” é o único que pode realizar a verdadeira transformação.
Não há mais espaço nas corporações atuais para a gestão por imposição, sem levar em conta as ideias e a satisfação dos empregados. As consequências vão ainda além da desmotivação e da consequente queda de produtividade.
Além disso, não é possível ao verdadeiro líder ser reconhecido como tal e conduzir às pessoas em uma determinada direção, se ele mesmo não estiver vivendo a sua própria verdade.
É preciso que nossos líderes experientes, nossos novos líderes e as organizações atuais estejam dispostos a conhecer e a trilhar os seus verdadeiros caminhos.
Será que estão?
As consequências de estarem ou não serão experimentadas igualmente por todos eles.
Nicolai Cursino é consultor, treinador e palestrante em desenvolvimento humano e liderança, com foco no crescimento sustentável das pessoas e das empresas. Sua atuação abrange América Latina, Estados Unidos e Europa. É sócio-diretor da Iluminatta Brasil Desenvolvimento Humano.
Fale com ele, escrevendo para:
nicolai@iluminattabrasil.com.br